November 11, 2010

Um jovem de 18 anos e um menino de 13 anos entre a lei, o desejo e a (in)Justiça

Menino de 18 anos é preso após ser visto beijando menino de 13 anos, em cinema de São Paulo: http://bit.ly/ajdln8

Este caso mostra como a lei e a mídia impõe-se, muito rapidamente, aos LGBT que infringem os códigos legais. Lembremos, entretanto, que não participamos de inúmeras benesses legais e que jovens LGBT vivem suas sexualidades de forma escondida.

Não sei como avaliar a acusão contra o menino de 18 anos. A lei, por um lado, inibe abusos contra menores (de quaisquer gêneros). Mas a lei que se impõe e inibe violações é a mesma que exclui LGBT, impõe o silêncio à expressão-formação da sexualidade. Logo, a Lei, a priori, ao excluir vitimiza. Será que este "violentador" de 18 anos não é também vítima de uma exclusão legal e social que impõe a jovens LGBT reprimir suas sexualidades? (jovens que estão descubrindo e (per)formando seus desejos)

Não é suficiênte dizer que o jovem foi denunciado porque era gay (homofobia). Muitos crimes sexuais contra menores também são denunciados (muitos outros não são - certamente porque aconteceu entre héteros e com a conivência de olhares). A injustiça contra o jovem gay de 18 anos está na educação sexual sócio-familiar repressora que forma ambos, jovem de 18 anos e menino de 13 anos. A (in)Justiça está em se impôr, muito rapidamente, numa situção que transcorre num mundo que exclui, segrega e discrimina ambas trajetórias biográficas.

October 09, 2010

Respostas em tempos de paixões e 2° turno eleitoral.

A seguir, uma resposta minha para a afirmação irresponsável e venosa: “FILÓSOFOS? QUE NADA!!!! A MAIORIA SÃO PELEGOS DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS, 99% DE GREVE!!! AS FEDERAIS ESTÃO ENTRE AS PIORES INSTITUIÇÕES DE ENSINO DO BRASIL... E CERTAMENTE DEVEM TER INGRESSADO NO CORPO DOCENTE NO GOVERNO PT...POR "QI" !!!! ME FAÇAM UMA GARAPA....” registrada no Orkut por um eleitor do PSDB (http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=17441994823023798408), motivado pelo “Manifesto Filósofos Pró-Dilma” (http://bit.ly/c1vdVC), a convite de Caíque, eleitor de Dilma, que vem usando seu Orkut para ajudar a desfazer boatos veiculados sobre sua candidata.

Farei uma brevíssima explanação sobre a situação das "PIORES INSTITUIÇÕES DE ENSINO DO BRASIL", a partir de minha experiência e algumas relações acadêmicas que cultivo. Para tanto, deixarei de lado reconhecidos, nacional e internacionalmente, centros de saber do Brasil, aqueles situados no eixo sul-sudeste. Atenhamo-nos a duas instituições, a UFBA e a UFS, as federais da Bahia e de Sergipe. Agrego ao argumento, melhor, derivo do argumento, como atributo lógico, de que seriam as universidades federais as piores do país, que no Nordeste jazem verdadeiros antros. Tal assertiva lógica não seria vil, na medida que ao afirmar que as federais são as piores, o tradicional debate sobre a estrutura da UFBA, por exemplo, vem à tona, como se isso fosse suficiente obstáculo para o cultivo da produção acadêmica por dedicados intelectuais que formam uma elite ilustrada. Penso que, ao menos, estou antecipando um futuro argumento que pudesse ser reivindicado para sustentar a tese das malogradas instituições federais.

Aos fatos, para não continuarmos em hipóteses sem fundamentos e irresponsáveis, como porcentagens da ordem de quase totalidade que figuram neste debate. Antes, entretanto, já que o argumento envolve paixões PSDBistas e PTistas, afastar-me-ei de críticas ao sistema de avaliação e qualificação da pós-graduação e dos pesquisadores de ponta no Brasil, e tomarei como parâmetro o sistema da “agência” CAPES como hoje é aplicado - idealizado no governo FHC e mantido no governo Lula. Ou seja, tal parâmetro foi respaldado por ambas administrações, o que a torna medida isenta, a priori, neste embate “político”. Tomemos como modelo da extrema qualidade do ensino das universidades federais, no Nordeste, logo também no Brasil, a situação do programa de pós-graduação o qual me vincula à UFBA, e um intelectual da UFS e, a saber, um FILÓSOFO, amigo muito querido. (Tomo situações concretas para não alimentar esse debate com hipóteses descoladas da vida, assumindo o risco de não referir a tantos outros fenômenos)

Recentemente, há um mês – no máximo – o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da UFBA teve o esforço e dedicação de seu quadro docente e discente reconhecido pela supracitada agência, não só através da elevação de seu conceito de quatro para cinco, mas com indicação de seis, numa escala que se encerra em sete. A CAPES avaliou a produção intelectual e de difusão do conhecimento no patamar máximo. Estamos falando de uma avaliação nacional, cuja comparação é um dos elementos que influem em seu resultado. O que ficou então constatado é que na Bahia, a despeito de quaisquer críticas à UFBA, se produz conhecimento de qualidade e que alcança instituições internacionais. Aliás, registrem-se: as cooperações internacionais que o PPGCS celebrou pesou para sua feliz avaliação. Advirto, desde já, que não concordo integralmente com a crítica estrutural (física) que se FAZIA às universidades federais, pois nos governos Lula, um denso plano de reestruturação foi posto em prática e está refletido na transformação da UFBA em um verdadeiro canteiro de obras. Por outro lado, há que considerar o plano de interiorização das federais que tem expandido o sistema de ensino superior, fazendo cumprir a Constituição brasileira de difundir pelo território o sistema de ensino universitário. Prova disso é a situação da Bahia que antes contava apenas com a UFBA.

Por fim, vejamos a situação do filósofo da UFS, que foi jogado, irresponsavelmente, na máxima “PELEGOS DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS, 99% DE GREVE!”, como se houvesse sentido em relacionar “pelego” e “greve” para desmerecer intelectuais de renome internacional. O exemplar filósofo de Sergipe, que é sergipano, doutor pela Universidade de Paris X (título sublinhado aqui para mensurar a qualidade do ensino nas universidades federais brasileiras, instituições cujo sistema é parâmetro nacional para a Europa e Estados Unidos), foi no ano passado premiado pela CAPES (de FHC e LULA) com uma bolsa produtividade. Esta bolsa é uma contrapartida para os pesquisadores tidos pela agência como referência em suas áreas de conhecimento e aqueles que comporão o quadro de consultores da CAPES, ou seja, os intelectuais que regulamentarão, avaliarão e referendarão a produção de conhecimento no Brasil. Este reconhecimento brasileiro ao filósofo, diga-se, foi posterior ao reconhecimento internacional na medida que ele tem sido reiteradas vezes convidado por instituições francesas, italianas e canadenses para ministrar cursos e compor mesas em Terras distantes.

Portanto, as expressões “FILÓSOFOS? QUE NADA!!!!” e “AS FEDERAIS ESTÃO ENTRE AS PIORES INSTITUIÇÕES DE ENSINO DO BRASIL” são mera retórica sem lastro para trazer à baila paixões partidárias que impedem um diálogo, na contramão do uso que tem sido feito de novas mídias, como o Orkut. Por outro lado, macula a imagem do trabalho dedicado de profissionais que edificam, para além de governos, um sistema brasileiro internacionalmente validado. Se as federais são as piores do Brasil, como pode o Brasil figurar na cena acadêmica internacional. Como pôde Fernando Henrique Cardoso, intelectual brasileiro ser referência de leitura obrigatória para os estudantes de OXFORD? FHC foi discente e docente de uma universidade brasileira estadual cuja estrutura equivale a tantas federais que contribuem para legitimar nossos intelectuais mundo a fora.

February 04, 2009

Profissão de fé

Nos últimos meses tenho sido levado a refletir sobre a minha fé, minha fé quanto às coisas da vida, e minha fé transcendental. Reiteradamente, as conversas que demandam tais reflexões acabam num debate apaixonado: eu pela paixão que a minha forma de aderência às coisas evocam, e os meus interlocutores pelas paixões de suas crenças encarnadas no curso de suas vidas. Em outras palavras, as paixões que me motivam contrastam com as crenças daqueles amigos e conhecidos que comigo conversam, o que conduz o bate papo para o campo do estranhamento das coisas corriqueiras de nossas vidas, antes irrefletidas.

Desde criança aprendemos orações que devem ser repetidas todas as noites, antes de dormir. Com o tempo essas orações viram práticas religiosas rotineiras para confortar as agruras do viver e a abstinência dos prazeres, pecaminosos. O belo nos é ensinado na escola e pelos nossos pais. Somos familiarizados com o belo e o feio comum a todos. Aprendemos a nos sensibilizar com coisas bonitas e feias cujo juízo é compartilhado. O sabor das coisas também passa por um processo impositivo do que é bom e ruim. O bom e o ruim comunitário tende a ser assimilado pelo infante, que orientará o sabor que sentirá o jovem aprendiz do novo que se revelará. A fé num deus que está aí, ou mesmo, que sempre esteve, é imediatamente inculcado e, vez ou outra, evocado para estabelecer os limites do que se pode ou não fazer, sob pena de danação eterna. Tudo isso é apresentado de forma tão familiar que esquecemos a curiosidade reveladora que toma uma criança, desvela o mundo e constrange os Pais. Esquecemos do prazer em descobrir coisas novas e nos surpreender com elas. Passamos a olhar a vida que se reinventa dia-após-dia com os olhos treinados por uma infância e adolescência de coisas prontas, que nos são ofertadas como As Coisas, por excelência.

Tenho me devotado, ultimamente, aos sabores dessas descobertas e repensado a estética do trivial, o sabor das coisas doces, e a fé na verdade suprema. Cada vez mais tenho refutado os valores que me ensinaram serem os valores últimos que provêem sentido à vida, valores que uma vez abraçados garantirão a salvação. A minha fé mudou, e continuará mudando. A minha fé no mundo e no transcendental cada vez mais está movendo-se do campo do acreditar para o campo do que apraz.

Não seria inusitado afirmar que eu não creio, somente, nas formas perfeitas e harmônicas das coisas que as pessoas reconhecem como as formas superiores, em detrimento daquelas que lhes solicitam uma postura de asco e inferioridade. Eu gosto de ser seduzido pelas coisas que aparecem prazerosas e sedutoras para alguém, das coisas que têm sentido para estilos de vidas inebriados com a beleza do incomum. Eu também gosto de não gostar das coisas que me sugerem coisas triviais e de sentido raso. Se não gostar de algo me faz sentir prazer, eu gosto disso, contanto que esse não-gostar me permita não julgar o gosto do outro, à luz do que me mobiliza.

Eu não creio nas coisas boas e más, nos comportamentos bons e maus, por natureza. Eu gosto de me comportar rumo ao que me dará prazer. Eu gosto das pessoas que não precisam amar, como se amar fosse uma obrigação que atribui o sentido final do existir, uma vez encontrado magicamente. Eu gosto de amar aquilo que me motiva, aquilo que me faz agir e que me dá prazer fazê-lo. Eu não creio que negar as coisas que me aprazem, em nome de uma aparência, daquilo que me torno para que os outros me vejam seja a única forma de felicidade. Eu gosto da felicidade da solidão e da celebração com os outros. Eu gosto da felicidade de conhecer lugares, pessoas, cores, sabores e novas formas de me deixar seduzir e apaixonar. Uma única forma de amar, de sedução e de apaixonar é pouco para um mundo inteiro de coisas, formas e pessoas.

Eu não creio nas coisas transcendentes que atribuem o que é verdade e oferece o parâmetro do que deve ser a vida. Eu não creio nos valores supremos que dão o verdadeiro prazer e torna os outros involuídos e(ou) coitados. Eu gosto das formas criativas que emergem da vida de milhões de vidas que vivem juntas, num mundo inteiro. Todos podem sentir prazer com coisas diferentes e completamente iguais, à medida do prazer que dá a cada um e não do que foi dito ser O Prazer.

Eu não creio em Deus. Eu creio em todos os Deuses Acreditados pelas pessoas. Eu gosto de crer nos Deuses Acreditados que não qualificam as pessoas através de uma natureza transcendental, mas qualifica através das vidas possíveis, das vidas que não negam as formas de ser dos outros. Eu não acredito no deus da punição vindoura. Eu gosto de crer no Deus Acreditado por cada um, que permite viver a plenitude da vida a ser vivida com a diversidade de outros.

January 27, 2009

Sobre Leocrete do Brasil e discursos-ação.

No meu último post, divaguei rapidamente sobre a violência cometida contra o Grupo SOMOS a fim de problematizar uma tese, brevemente, esboçada na matéria. Minha questão era rever os discursos que se constroem sobre as lutas, uma vez que, enquanto ação, os discursos criam uma realidade própria. Discurso é ação, uma forma de luta, logo viver pode ser a expressão de uma luta que contribui para mudanças. Em comentário postado, fez-se a pergunta “que luta cara pálida?”, questionando a possibilidade de se construir um discurso sobre “algo”, se não há “algo” sobre o qual se discursar. Pelo que entendi, esse era o ponto do comentário. Vejam que a minha proposta, não dita, mas sobre a qual eu situava-me, era atentar para o conteúdo que norteia os discursos que construímos sobre algo, pois o discurso é, em si, ama ação. Não quero desmerecer a ação de lutar, ou propor a substituição dessa por aquela. Apenas gostaria de chamar à reflexão o discurso que movimentos de defesa de homossexuais constroem sobre si e sobre o “mundo gay”, ou mesmo o discurso que assumimos no curso da vida (já que discurso é ação). O discurso cria uma realidade que será informada a uma audiência, que fará juízo sobre ele, ou minimamente “incorporará” esse discurso recebido em seu “back ground” e darão continuidade ao fluxo de suas vidas, retomando-o eventualmente, quiçá parcialmente.

Para exemplificar melhor o meu ponto, que não é, sobremaneira, uma crítica aos movimentos gays, mas uma preocupação com uma dimensão da vida, que por vezes nos passa despercebida, vejamos um fato: a eleição de Leocrete e seu constexto. Eu estava em Paris quando, perplexo, li sobre o resultado do pleito municipal de 2009, em Salvador. Leocrete tornara-se a primeira travesti vereadora-eleita, numa grande Metrópole brasileira. Não fiquei perplexo pelo fato de uma travesti ter sido eleita, mas 1) pelo fato de ter sido eleita em Salvador, uma das três ou quatro maiores cidade do Brasil, e 2) o discurso imediatamente assumido por parcela do movimento organizado, segundo o qual Leocrete não fora eleita com votos dos homossexuais, logo não os representava, grosso modo. Fiquei preocupado com a informação que, intencionalmente ou não o discurso colocava em pauta, mesmo porque era o que pairava na atmosfera eleitoral da cidade. Era como se a Eleição de Leocrete fosse, um voto de manifestação de um público “abominável”, os “pagodeiros”, os “involuídos” ou os “iludidos”.

Não tenho informações metodicamente tratadas, mas como um cidadão dessa cidade, que participa de seu universo cultural, posso a partir de um “feeling” que nos é comum, tanto criar um juízo pessoal, como inquietar-me e apontar outros caminhos para ampliar o debate. Afinal, como assumimos acima, o discurso cria uma realidade, e criar uma única realidade é empobrecer a dinâmica de transformação de um tempo, e das pessoas que arcaram com os custos, em seu tempo, de lutar por um futuro (nosso tempo, talvez). Esse discurso, a meu ver, colocava Leocrete como inadequada para o cargo, pior ainda se fosse para representar a comunidade GLS, GLBT, LGBTT, qual seja. Pergunto-me se essa inadequação vem por ser ela travesti e não ter uma aparência mais próxima do “gay aceitável”; ou por ser ela uma travesti, provavelmente, sem “esclarecimento superior”; ou ainda, se seria uma desavença poítico-partidária – esta, sim, mais plausível, contudo merecedora de maiores esclarecimentos através da citação de siglas partidárias.

Não quero fazer uma defesa absoluta de Leocrete, mas apontar que para ser eleita, ela estava num tempo e espaço em que mudanças no mundo das idéias foram necessária, para uma travesti ser a quarta mais votada vereadora da cidade. Ou, alguém seria capaz de imaginar uma travesti eleita em Salvador, nas décadas de setenta ou oitenta, por ter sido dançarina, com ampla publicidade, de um grupo musical, qual fosse o grupo? A eleição legitima de Leocrete, tendo ou não sido pela maioria de votos de homossexuais de camadas médias, representa um público que, seja ou não pela falta de candidatos, quis expressar algo. Afinal, quantos de nós votamos com plena segurança? É possível tamanha certeza na escolha de representantes-humanos? Por outro lado, consideremos que Leocrete tenha sido eleita pelo voto de uma maioria de “pagodeiros-iludidos”. Sendo assim, quem tradicionalmente compõe, em nosso imaginário, esse público de “pobres-coitatos-ignorantes-manipuláveis”? Respondo. Cidadãos de camadas baixas, moradores das periferias sociais, marginalizados, e, não esqueçamos, negros. Ora, Não é também na periferia, nessa “massa de manobra”, que estão gays fora dos “modelos médios”? Não é essa parcela do universo gay um grande número de nossa comunidade? Ou não seria inconcebível que Leocrete tivesse sido eleita por um grupo de heterossexuais “a fim de zoar com a cidade ou com a Câmara [Legislativo Municipal]”, “mostrar o pior lado dos gays”, como ouvi recentemente numa conversa de ônibus. Não há aqui um ar de preconceito-estamental (com o perdão pelo uso lato do “estamental”)?

O discurso que desqualifica a candidatura e a eleição de Leocrete pode ser venoso em diversas direções, e, não só esse discurso especificamente, mas qualquer um assumido como “revolucionário”. Esse discurso ofusca diretamente décadas de lutas cotidianas, muitas vezes sequer reconhecidas como tal, e lutas, outras, institucionais da comunidade LGBT. Dizer que Leocrete não foi eleita com votos de homossexuais, é ignorar mais uma vez aqueles gays de camadas populares, com suas formas de ser-diferente de “gays menos aceitáveis”. Tal postura pode, ainda, tirar de foco a estrutura institucional à mão de quaisquer representantes eleitos, afinal é para isso que servem as diversas verbas de cada gabinete – extremamente necessárias. Esse discurso desconsidera que a mera aparição de Locrete em público e sua coragem de lutar por seu espaço é parte de uma identidade que contribui para dar mais visibilidade ao mundo LGBT, ou, ao menos, a uma parcela deste – prefiro pensar que ao “mundo LGBT”. Por outro lado, podemos imaginar que o mesmo discurso tem um aspecto positivo para nossa representante, a saber, tornar-se mais independente de instituições e lutar no grito, com suas unhas e seus belos saltos. Isso, à medida que centra a responsabilidade de sua eleição em sua imagem, pode contribuir para a amplitude de seu discurso e sua forma-de-ser dissidente. Espero que tais possibilidades mostrem-se concretas e aumentem as chances de vermos legislações pró-LGBT engavetadas virem à baila (sem regulamentação).

Espero ter conseguido mostrar a força do discurso, no mundo público, e os problemas que pode acarretar não pesar seu conteúdo (pensemos ainda, que vivemos no mundo da informação instantânea). Atente, ainda, que o problema pode ser maior quando pensamos que o discurso é a forma por excelência de ocuparmos o mundo público. Dessa forma, colocamos qualquer pessoa, que, minimamente, caminha pela cidade, e informa alguém, pelo seu “jeito de ser” (o jeito, mesmo, do seu corpo) de novas possibilidades de sexualidades. Os discursos e suas formas ocupam lugar central para pensarmos as transformações, que já se processaram e se processam, a despeito das potentes lutas institucionais e das multidões nas ruas. Proponho abrir os olhos também para o reflexo que tem a vida de pessoas que simplesmente ousam viver sem esconder o seu desejo de ser, nas transformações do mundo.

Por fim, voltemos a nossa vereadora. Se a Senhora Vereadora não foi uma militante de movimentos, ela foi uma revolucionaria, no nosso sentido aqui levantado, por ser Leocrete. Foi revolucionária por ter subido nos palcos e “dito”: eu posso dançar como dançam as musas do pagode, e quero estar aqui. Sua aparição deu visibilidade à diversidade que compõe o nosso mundo. Se alguns preferem sustentar que ela foi vítima da “mão invisível” de um sistema interessado em explorar a imagem de um suposto ridículo, de uma travesti nos palcos, peço desculpas, mas a “extravagância” aplaudida naqueles palcos, é parte de uma identidade que nossa sociedade reserva à escuridão da noite. Subir aos palcos foi o primeiro passo para mostrar que uma travesti pode e deve vir a público, aos shoppings, escolas, lojas, universidades, ao mundo. Ter sido eleita vereadora é um passo a mais na colonização dos espaços públicos por aquelas diferenças que aprendemos a olhar com os olhos do assombro. Aliás, nós mesmos, com toda a transformação aqui defendida nesta contemporaneidade, somos “assombro” para outros públicos sociais.

Um contra-comentário: será mesmo que só podemos falar de lutas enquanto sinônimo de revolução, manifestação numérica nas ruas? E as nossas formas-de-ser públicas que nos tornam visíveis para os outros? Ou, ainda, nossos discursos assumidos que nos constroem para o outro como uma diversidade socialmente produtiva e necessária? Enfim, nossas vidas, cara pálida!

January 23, 2009

Mundo, sendidos e violência

O site Mix Brasil, um dos sites mais ativos em termos de noticiar o mundo gay brasileiro publicou, ontem, a matéria "Pintada", com a chamada “Sede de grupo militante LGBT de Porto Alegre é pichada por neonazistas”*. Vi a chamada para esta publicação pelo site do UOL Gay, que visito diariamente. Imediato foi um sentimento de perplexidade com mais um comportamento mediano e irrefletido de extremistas. Qual o sentido de utilizar o símbolo de um mundo “pretérito” de horrores, como o nazismo? Prefiro pensar que é o desespero de subjetividades edificadas sobre instituições tradicionais, cuja existência é comprometida por um mundo que se anuncia divorciado de seus valores.

* (http://mixbrasil.uol.com.br/mp/upload/noticia/6_77_70926.shtml)

Publiquei um pequeno comentário sobre uma análise preliminar no final da matéria, e o ato dos vândalos, nela denunciado. Segue o meu comentário.

Concordo, em absoluto, que o agravo cometido contra a sede do Grupo SOMOS é um fato de estrema preocupação. Esse ato é exemplar de uma violência que ainda é base de edificação de valores e comportamentos em nossa sociedade. A violência direta cometida contra cidadãos, e a violência simbólica contra locais ícones do universo gay, precisa ser, legalmente, passível de punição. Dada a estrutura legal brasileira, uma legislação nacional deste cunho é imperativa. Contudo, gostaria de poder discordar, parcialmente, de um ponto levantado na matéria: “(...) a pichação só prova o quanto a sociedade ainda tem que evoluir para garantir o reconhecimento da igualdade entre os cidadãos brasileiros”. A meu ver, a pichação prova, também, o quanto a sociedade ainda precisa trilhar novos caminhos.

Por outro lado, a pichação pode estar apontando o quando a sociedade brasileira vem se transformando. Quando observamos a “colonização” dos espaços públicos por pessoas de orientação homoafetiva, percebemos o quanto uma transformação é imposta e vivida em espaços públicos e privados. Assumir que a sociedade contemporânea não é mais aquela em que a aparição pública de homossexuais estava condicionada às “violências sofridas”, é um instrumento poderoso para demonstrar que “a pichação” sofrida pelo Grupo SOMOS, também pode ser um ato de desespero de um tradicionalismo que cada vez mais perde seu espaço de dominação. Reafirmo a minha total indignação com a violência dirigida, mais uma vez, aos representatividades dos direitos de homossexuais, e aproveito este espaço para provocar uma reflexão sobre os discursos que construímos sobre nossas lutas.

July 30, 2008

Podemos ser, assim?

Hoje estou especialmente irritado com Salvador e com o estilo de “pessoa” que se (con)forma aqui. As coisas aqui na terrinha vão mal... Cada vez mais, alguém próximo a você chega e lhe diz: “fui assaltado”, “fui roubado”, “minha casa foi invadida”. Quando não são pessoas de bairros “periferizados”: “fulano morreu”, “ vi X corpos no caminho de casa”, “ a polícia matou tantos”. Essa semana estava no Shopping Barra conversando com um paulista e ele falava do medo de Salvador. Ele vive entre Salvador e São Paulo, com mais tempo São Paulo. Aqui, ele já foi assaltado nove vezes e nenhuma em sua cidade. Eu tenho essa mesma impressão. Em todas as minhas idas à Sampa, com alguma cautela, sempre uso minhas mochilas com máquina, carteira, algum dinheiro e nunca fui assaltado, sequer tive a mochila aberta em eventos como a gigantesca Parada Gay – a maior do mundo. Esse aumento das notícias próximas, considerando o lugar de pessoas de camadas médias, corrobora a imponência que a violência recobre-se nos jornais e noticiários.

Pergunto-me: Porque essa violência? Quem são as pessoas que a cometem? Há solução? Que estrutura de sociedade recobre essa qualidade de “Pessoa”? Sinceramente, não sei responder, mas desconfio que essa disposição para a violência seja muito mais “cotidiana” e “natural” do que mera reação às carências sociais. Claro, que o contexto de precariedades econômicas, sociais, raciais, de gênero que expropriam subjetividades do direito à cidadania plena tem sua parcela de responsabilidade. Não duvido disso, antes o contrário. Entretanto, pergunto-me quanto àquele grupinho de seis amigos que em “fevereiro” tomam um ônibus, vão para o Circuito Dodô diverte-se “dando porrada em gente”. Pergunto-me quanto à frase que ouvi de um amigo em formação policial: “quero que chegue logo as festas de largo... tô doido para descer a porrada em um”. Pergunto-me ainda quanto às interrogações que diz um amigo ao saber que um dos seus fora agredido: “onde foi? Vamos pegar esse sacana?”. Por fim, pergunto-me porque essa “naturalização” da agressão é algo que está no dito do dia-a-dia dos soteropolitanos? Sempre foi assim? Há algo que diferencie uma “Pessoa” de Salvador da “Pessoa” de outras capitais? Não sei... só, desconfio.

Desconfio da apologia à guerra feita por um grupo social dessa cidade no dia 25 de julho, em meio às suas manifestações. Desconfio de individualidades policiais que entram nos bairro “periferizados”, “blindados” por uma instituição e matam covardemente, escondendo-se depois numa farda que é vestida por muitos outros. Desconfio da diversão momesca que precisa da agressão ao outro para a publicização e afirmação de uma identidade (a mesma diversão familiar às festas de largo). Desconfio dos amigos que para defender os seus revidam e não acionam e exigem a aplicação das penalidades sociais, por “delegados da sociedade”.

Enquanto todos se armarem contra todos, a institucionalização de disposições que respeitem a integridade e os direitos democráticos não se solidificarão em maneiras de ser e agir. Precisamos, com urgência aprender que na rua, mundo público, há o outro que precisa de segurança para construir uma vida relacional. Em que cidade viveremos se, andando pelas ruas, desconfiarmos das pessoas que vêm em nossa direção? Em que cidade viveremos com medo de ir para a escola ou para a universidade? Em que cidade viveremos se o medo de ser suplantar as maneiras criativas e diferentes de “gestuar”, “vestir”, “entonar”, “crer”, “relacionar”, “confiar”? Querem uma indicação de cidade, frente aos poucos lugares que conheço? Chicago.

July 22, 2008

Welcome back, but in portuguese!

Queridos, resolvi, novamente, voltar a publicar no meu blog. Há algum tempo, tento fazer isso, mas sempre deixo para depois em meio a pequenas incertezas. Acho que essas prorrogações são motivadas por uma pitada de medo do crivo de leitores cuja opinião importa (“pré-ocupa”). Não interessa agora nomear esses leitores que me ocupam no momento da escrita para não menosprezar faculdades desinteressantes. Não pensem vocês que isso é medo de quaisquer comentários negativos e/ou previsíveis, é receio de intelectos capazes de ir além do dito e comentar o não dito, a parte mais interessante e orgasmática de um texto. Com isso, quero alertar que não mais me importarei com os comentários aqui postados ou enviados para o e-mail, comentários como os de outrora advindos de espíritos aprisionados em suas convicções.

Sejam muito bem-vindos a minha “janela da alma”. Estejam à vontade para vasculhar um mundo povoado de sentido, mas obscurecido pela crença na incompletude de um mundo eventual. Comentem, gritem, riam, ignorem, mas jamais tentem análises pífias e triviais. Não me incomodo com muito. Aceito o que dizem os seres imbuídos de um “modo de ser” cristão, pois para esses, olho como sendo “mais um”. Aceito os espíritos que sobrevoam o mundo, pois desses “desprendidos” pouco se pode esperar em profundidade e sensibilidade. Contudo, não aceito aqueles que se sentem “capazes de ver” o que “todos os outros não conseguem ver”. Eu desprezo esses últimos, pois a inconsistência de suas expressões são incapazes de refletir parte alguma do Turbilhão da Vida, ou de qualquer vida.

Apenas uma advertência: não esperem de mim posições sólidas e imutáveis. Eu não sei o que sou ou que serei, mas uma vez tendo sido posso seguir vivendo a vida que se faz no encontro, e que me toma.